O Equador foi o primeiro país, no mundo, a definir a natureza como um ser de direitos. Isso ocorreu em 2008 e está no Artigo 71 da Constituição do país, que diz:
A natureza ou Pachamama, onde se reproduz e se realiza a vida, tem direito a que se respeite integralmente sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos.
Toda pessoa, comunidade, povoado ou nacionalidade poderá exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza. Para aplicar e interpretar estes direitos, se observarão os princípios estabelecidos na Constituição no que for pertinente.
O Estado incentivará as pessoas naturais e jurídicas e os entes coletivos para que protejam a natureza e promovam o respeito a todos os elementos que formam um ecossistema.
Na prática, significa que a natureza pode reivindicar seus direitos perante às autoridades públicas, incluindo o Poder Judiciário. No entanto, o fato não impediu que o país já contabilize a perda de 10% de sua parte amazônica primária, especialmente por conta da plantação de dendê.
O Equador é, hoje, o segundo maior produtor de dendê da América Latina e sexto do mundo. Seu cultivo ocupa cerca de 13% da área da Amazônia equatoriana, que corresponde a 2% do bioma da Amazônia.
Há ainda projetos de mineração polêmicos ameaçando a região, que abriga uma das áreas com a maior diversidade de espécies de flora e fauna. Acredita-se que entre 40% e 60% das árvores nativas ainda sejam desconhecidas.
Dois anos depois, em 2010, foi a vez do poder legislativo da Bolívia aprovar a Lei dos Direitos da Mãe Terra. Nela, são reconhecidos à natureza sete direitos: o direito à vida, à diversidade da vida, à água, ao ar limpo, ao equilíbrio, à restauração e à vida livre de poluição.
Assim como no Equador, indivíduos ou grupos podem recorrer aos tribunais para defender e proteger os direitos da natureza nos locais onde estes sejam violados.
Em contrapartida, só os incêndios que começaram em maio de 2019 na Amazônia boliviana destruíram quase 2 milhões dos mais de 48 milhões de hectares da floresta. E tudo com o consentimento do governo, que decretou o corte de árvores e queimadas para a instalação de atividades agrícolas.
O decreto foi revogado em setembro de 2020, quando os incêndios voltaram a atingir a Amazônia boliviana após uma pequena pausa. Ainda assim, a Bolívia já contabiliza a perda de cerca de 8% de sua floresta original.
Em 2017, a Nova Zelândia concedeu personalidade jurídica ao rio Whanganui. Venerado por maoris, ele é terceiro rio mais longo do país.
“Terá sua própria identidade jurídica, com todos os direitos e deveres correspondentes”, declarou o então ministro da Justiça, Chris Finlayson à época. “A nova legislação é um reconhecimento da conexão profundamente espiritual entre o iwi (tribo) Whanganui e seu rio ancestral.”
A tribo local lutava pelo reconhecimento de seus direitos sobre o rio desde os anos 1870 e, ao conquistar a vitória, recebeu 80 milhões de dólares neozelandeses de custos processuais após a longa maratona judicial e outros 30 milhões para melhorar o estado do rio.
Ainda em 2017, outros dois rios foram declarados como seres vivos com direitos, dessa vez na Índia. O famoso rio Ganges, o mais sagrado do hinduísmo, e o Yamuma, passaram a ter direitos como uma pessoa pelo Tribunal Superior de Uttarakhand, estado do norte do país.
O pedido havia sido feito por um morador da cidade sagrada Haridwar e apresentado, em 2014, pelo advogado M. C. Pant, que foi em que divulgou a conquista na época.
Vale, porém, ressaltar que, embora sagrados, os rios apresentam altíssimos níveis de poluição. No caso do Ganges, na parte localizada na cidade de Varanasi, onde a prática do hinduísmo e, consequentemente, o turismo religioso, é muito forte, o nível de bactérias fecais ultrapassa de forma assustador o limite recomendado. São 31 milhões para cada 100 mililitros de água, sendo que o máximo permitido para banho é de 500.
Por fim, a Colômbia, concedeu direito jurídico à sua parte amazônica em 2018. O pedido foi apresentado pela ONG Dejusticia, a pedido de um grupo de 25 pessoas entre 7 e 26 anos.
Considerado procedente pelos ministros do Tribunal Superior de Bogotá, chegou à Corte Suprema da Colômbia, que concordou que a falta de ação do governo federal contra o desmatamento está agravando as mudanças do clima e, portanto, pondo em risco o futuro da juventude.
Sendo assim, a Amazônia colombiana passou a ter os mesmos direitos que um cidadão e deve ter sua integridade protegida pelo governo. Esse foi o primeiro caso de litigância climática contra um governo na América Latina.
Vale ressaltar que, no ano anterior à decisão, o desmatamento na Amazônia colombiana foi um dos maiores entre os países amazônicos e o mais alto na história do país. A perda foi de 144 mil hectares de floresta — o dobro de 2016.
Isso ocorreu devido ao acordo de paz entre o ex-presidente Juan Manuel Santos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que agiam como uma espécie de autoridade ambiental, impondo regras aos camponeses sobre quando era permitido desmatar ou queimar para agricultura e criação de gado.
Um ano após a definição da natureza como um ser de direitos, a queda do desmatamento havia reduzido muito pouco – apenas 4%. A grilagem foi a grande responsável por quase 50% da derrubada em 2018.
O resultado é que cerca de 11,7% dos 48.529.100 hectares da Amazônia colombiana já não existem mais (dados de 2018). Ainda assim, o país vinha realizando um esforço em prol da floresta até 2019, quando houve uma queda significativa do desmatamento.
Para saber mais sobre a atual situação da Amazônia em todos os países onde ela está presente, clique aqui.
Ecocídio avança rumo à penalização
Em junho de 2021, uma comissão internacional, formada por 12 juristas, entrou com o pedido de incorporação do ecocídio no Tribunal Penal Internacional.
Foi a campanha Stop Ecocide que impulsionou os especialistas a criarem o estatuto. Segundo o grupo, “para os efeitos do presente Estatuto, entender-se-á por ecocídio qualquer ato ilícito ou arbitrário perpetrado com consciência de que existem grandes probabilidades de que cause danos graves que sejam extensos ou duradouros ao meio ambiente.”
O objetivo é que a ação tenha efeitos concretos sobre a legislação internacional, mas também sobre a dos próprios países. O trabalho, que começou em janeiro, vem sendo discutido publicamente para alcançar um texto definitivo, que será apresentado aos 123 países signatários do Estatuto de Roma, que orienta o funcionamento do Tribunal Penal Internacional (TPI).
De acordo com Jojo Mehta, presidenta da Fundação Stop Ecocide, a ação já conta com o apoio de países como França, Bélgica e Espanha.
Atualmente, o Estatuto conta com quatro delitos, que são genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão. Cada uma dessas definições foi debatida com muito cuidado, e é isso que está acontecendo com a expressão ecocídio agora.
A inclusão do ecocídio entre os delitos não tem prazo para acontecer, pois é necessário o apoio de 2/3 dos países signatários do Estatuto. Com o amplo debate em torno do agravamento do aquecimento global, porém, a esperança é de que isso ocorra o mais rapidamente possível. Para saber mais, clique aqui.