Foto: Arquivo Ymbu Agroflorestal
A Ymbu Agroflorestal está localizada a 70 quilômetros de Fortaleza, aos pés da Serra do Baturité. Somos apaixonados por esta região, que possui biodiversidade exuberante, com um grande valor ecológico.
Abrangendo biomas de Mata Atlântica, Mata Seca e Caatinga, a Serra do Baturité tornou-se uma Área de Proteção Ambiental há 30 anos. Primeira e maior APA do Ceará, ela abrange uma área de 32.690 hectares ao Nordeste do estado. Está situada a 90 km de Fortaleza e possui uma nascente de 150 quilômetros que desemboca na capital.
Características da Serra do Baturité
A Serra de Baturité é um território de exceção no contexto da grande semi-aridez do Ceará. Por conta da ação combinada da altitude e da exposição do relevo face aos deslocamentos de massas de ar úmidas, possui alta incidência de chuvas (média de 1.500 mm anuais), o que a torna uma das áreas mais úmidas do estado. A temperatura fica em torno de 15°e 22°C, com picos 32°C.
A área é um dos mais expressivos compartimentos do relevo elevado do Ceará, chamados de relevos residuais. Eles são resultantes dos processos erosivos ocorridos na era Cenozóica, que envolve o período terciário, o qual teve início no Paleoceno, há quase 70 milhões de anos, e terminou no Quartenário (Holoceno e Pleistoceno), período mais recente na escala do tempo geológico, iniciado há um milhão de anos, quando ocorreram as mais severas eversões (desmoronamentos) do pavimento nordestino até tornar-se desgastada a depressão sertaneja atual.
A região é caracterizada por uma topografia acidentada e por grandes desníveis, com altitudes que variam entre 100 e 1.115 metros, e é neste ponto que está localizado o Pico Alto. Ao longo da Serra, encontra-se também uma formação rochosa conhecida como Pedra do Bacamarte, um bloco rochoso de 900 metros de altura com uma forma que lembra o Morro do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro.
Biodiversidade que encanta
A biodiversidade da Serra do Baturité é abundante, e este foi o motivo que levou o Governo do Estado a declarar a área como APA, em decreto de 1990.
Com características climáticas únicas, a APA da Serra de Baturité abriga uma cobertura vegetal complexa, a qual serve de refúgio ecológico para fauna e flora diversificadas, o que a torna indispensável na formação e manutenção da bacia hidrográfica, importantíssima para o abastecimento da Região Metropolitana de Fortaleza.
Sua vegetação possui grande variedade de plantas de padrões fisionômicos e florísticos, sendo encontrados dois grandes tipos florestais – mata úmida e mata seca -, que representam a condição da vegetação primitiva em equilíbrio. A área abriga uma rica biodiversidade fito-faunística, incluindo mais de 300 espécies tipicamente amazônicas e da Mata Atlântica, além das rendêmicas, formando um verdadeiro banco genético de nossa biodiversidade.
“A Serra de Baturité possui, de fato, uma rica biodiversidade”, afirma Patricia Jacauna, gestora da APA, em entrevista exclusiva para o nosso blog. “Para exemplificar, somente a avifauna compõe-se mais de duas centenas de espécies. Entre eles, répteis e anfíbios, mamíferos, aracnídeos. Plantas herbáceas, subarbustivas e arbóreas formam um conjunto fabuloso em nossa região. No entanto, toda esta exuberância carece de muita proteção em razão de sua fragilidade. O equilíbrio uma vez quebrado causa uma reação em cadeia que afeta todo o ecossistema. Tudo isso torna nosso desafio ainda maior e urgente.”
Interior da Serra do Baturité
O trabalho em prol da conservação
A Gestão da APA da Serra de Baturité é realizada de modo compartilhado com um conselho consultivo composto por diversas entidades, tanto do Poder Público quanto da sociedade civil, que atuam nesta região. Em reuniões periódicas ocorridas a cada dois meses (temporariamente suspensas em decorrência da pandemia causada pela Covid-19), os conselheiros discutem os problemas atinentes a esta Unidade de Conservação, fazem sugestões, sugerem encaminhamentos e ações para minimizar impactos que geram passivos ambientais.
“Na dinâmica diária em tempos de normalidade, esforços são empreendidos em várias linhas”, conta Patricia. “Além do trabalho administrativo rotineiro, realizamos monitoramento nos nove municípios que estão inseridos na poligonal da UC e, às vezes, em seu entorno. Esta tarefa tem um importante apoio do Batalhão da Polícia Militar Ambiental (BPMA), que tem destacamento permanente no município de Guaramiranga. Também contamos com parcerias com várias instituições (prefeituras, associações comunitárias, associações de empresários do setor turístico, fundações e, em especial, com a atividade acadêmica desenvolvida em nossa região com destaque para UECE e UNILAB).
Outra frente de primordial importância são as ações de educação ambiental, que busca atingir públicos variados desde agricultores familiares, alunos das redes pública e privada de ensino, técnicos de prefeituras e população em geral.
O bioma da Serra do Baturité corresponde à Mata Atlântica e, para minimizar efeitos do desmatamento, foi implementado o Projeto de Florestamento, Reflorestamento e Educação Ambiental na Bacia Hidrográfica do Rio Pacoti, o qual recuperou cerca de 25 hectares com plantio de 30 mil mudas nativas, além de produção e doação de mudas para ações educativas e recuperar áreas degradadas. “A fiscalização também está na agenda de nossa Gestão, embora nós não a realizemos de fato”, explica Patricia. “Porém, os órgãos ambientais competentes são articulados para ações fiscalizadoras coordenadas.”
Algumas destas ações são:
1) 2018 – Fauna e Flora – 1ª Operação de Fiscalização Ambiental Integrada na Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra de Baturité. Participaram da Operação Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Batalhão de Policiamento Ambiental (BPMA) e Secretaria do Meio Ambiente.
2) 2019 – Operação Mata Atlântica em Pé. A ação estadual foi coordenada pelo Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (Caomace), do Ministério Público do Ceará (MPCE), com o apoio da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), da Polícia Militar Ambiental (BPMA) e da Superintendência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis no Ceará (Ibama).
3) 2019 – 12ª Fiscalização Integrada de Comércio e Uso de Agrotóxicos, realizada em nove municípios do Maciço de Baturité, realizada pela SEMA, participaram da Fiscalização Integrada a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Ceará (Adagri), Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa/SFA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa), Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea/CE) e o Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (Caomace).
Integrante do conselho gestor da APA da Serra do Baturité, a ONG Aquasis atua na área desde 1994. Em entrevista ao blog da Ymbu Agroflorestal, Fabio Nunes, secretário executivo da Aquasis e Coordenador do Projeto a Periquito Cara-suja, fala sobre os desafios do trabalho em prol da conservação da área. “Trata-se de uma Unidade de Conservação da categoria de Uso Sustentável, composta praticamente em sua totalidade por propriedades rurais, portanto, repleta de conflitos históricos, tais como conversão de floresta em monoculturas, uso de agrotóxicos, caça e captura de animais, poluição, conflitos no uso do solo para construções de condomínios de luxo, incêndios florestais, introdução de fauna e flora exóticos etc.”
Nunes ainda cita a ausência de mecanismos de gestão, como o Plano de Manejo da Unidade de Conservação, como uma das questões que dificulta a implementação de uma agenda focada em prioridades que são particulares a esta região, inclusive necessárias por lei, bem como o seu zoneamento. “A Aquasis faz parte do conselho gestor dessa Unidade de Conservação desde 2010, e percebemos, apesar do agravamento de algumas situações e dos desafios citados, um maior empenho nos últimos anos por parte do Governo do Estado na proteção dessa Unidade de Conservação”, conta. “A gestão atual é engajada e foi responsável por avanços, como o maior rigor em licenças de empreendimento de maiores impactos, a implementação de um posto do Batalhão de Policiamento Ambiental – BPMA e a criação de um Refúgio de Vida Silvestre.
Patricia concorda que a APA tem muitos desafios, mas que também já possui grandes conquistas. “Nosso empenho está em articular segmentos da sociedade e atores competentes como prefeituras, MPE, órgãos ambientais da esfera estadual e federal, a Academia, empresários, todos com o intuito de preservar todo este nosso ativo ambiental. Temos trabalhado para evitar impactos. Temos tido muitas vitórias e sabemos que é um trabalho de alerta permanente“, analisa.
O trabalho segue, mesmo na pandemia, e a Gestão já vem planejando uma retomada completa das atividades, que ainda é incerta. “Temos pela frente enormes desafios, inclusive técnicos que terão redução de carga horária”, diz Patricia que, em paralelo, ainda trabalha em torno da comemoração dos 30 anos da APA, em setembro. “Ainda estamos em fase de planejamento. Havíamos previsto, inclusive, por parte do próprio Secretário Artur Bruno, uma série de melhorias em nossos equipamentos e muitas atividades por toda uma semana. Não obstante, comemoraremos esta data repleta de simbolismo para a UC.” A programação ainda não foi divulgada.
Potencial turístico
Tamanha riqueza faz da Serra do Baturité uma área com um potencial turístico imenso. Belas paisagens, cachoeiras, mirantes, densas florestas, um clima único e bastante agradável são algumas das atrações do local. Um calendário de eventos, que inclui festivais de teatro, cinema, jazz e blues, vinho e café com chocolate e flores, também chama a atenção, assim como o turismo de aventura, com atividades como rappel, caminhadas e vôo livre.
Para Nunes, da Aquasis, “o uso da biodiversidade como atrativo ao turismo ainda é raso e precisa ser melhor planejado e trabalhado”. “No geral, as pessoas que procuram a Serra de Baturité são atraídas pelo microclima e o aspecto bucólico da região. Muito além das cachoeiras e restaurantes, existe muito mais a se conhecer, contemplar e, principalmente, preservar”, afirma.
Segundo ele, trata-se de um ambiente que guarda fauna e flora tanto de Mata Atlântica quanto de Amazônia, que estão evoluindo nesse lugar a centenas de milhares de anos e precisam desse ambiente para sobreviver. “O turista precisa saber que a serra não possui saneamento adequado e seus recursos hídricos, incluindo suas cachoeiras estão poluídas, que o lixo que se produz na região não é corretamente destinado, que a poluição sonora afugenta sua fauna e ajuda a empurrar espécies à extinção, que o consumo de artesanatos com arranjos de bromélias também contribui para extinção (duas bromélias estão na lista vermelha nacional, Guzmania monostachia, Guzmania sanguínea e são extraídas de forma predatória e vendidas aos visitantes), que muita floresta está sendo convertida em monoculturas de chuchu e bananicultura, por exemplo, que grandes eventos barulhentos deixam rastros de milhares de aves mortas no dia seguinte, dentre muitas outras coisas.”
Fabio, no entanto, reforça que, apesar de tudo isso, a Serra do Baturité tem um grande potencial para o turismo, como trilhas educativas e guiadas, a observação de animais e planta com guias locais, observação aves, turismo do café, visita a hortas orgânicas e produções agroflorestais e turismo rural inclusivo. “Tudo isso respeitando a capacidade de carga da região e gerando renda a comunidade local, para que estes próprios percebam que mais vale preservar o local onde vivem do que degradarem por um baixo custo de retorno, como converter dezenas de hectares de floresta em latadas de chuchu, por exemplo”, completa.
De acordo com Patricia, a Gestão vem trabalhando em prol do turismo. “Neste momento, existem algumas ações de fomentar rotas antigas do café, trilhas ecológicas e banhos de cachoeiras”, conta. “É claro que tudo isto atrai a especulação imobiliária. Alguns querem construir suas casas de veraneio para usufruir do clima e da calma locais. No entanto, sempre fomos propositivos no sentido de fomentar o turismo ecologicamente sustentável. Uma modalidade tem crescido na região é o bird watching (observação de aves).”
De nossa parte, reiteramos nosso compromisso com a conservação da Serra do Baturité, através de nosso trabalho que segue os pilares da sustentabilidade – crescimento econômico, equilíbrio ecológico e progresso social.
Fotos de Fabio Nunes | Arquivo ONG Aquasis